As 786 razões de confiabilidade e o acerto do leilão de reserva

Confira a íntegra do artigo assinado por Xisto Vieira Filho, presidente da Abraget, publicado no Poder360, em 14 de março de 2023.

As 786 razões de confiabilidade e o acerto do leilão de reserva

Entre várias estórias e lendas contadas pelos sábios, uma se destaca pela simplicidade de seus ensinamentos. Em um reinado dos séculos passados, um Rei deu uma ordem para seu principal atirador de canhão, que ficava em sua costa marítima: “o primeiro navio pirata que passar por aí, não hesite, e atire”.

No entanto, o primeiro de tais navios que passou, bombardeou a cidade do referido reinado, sem haver nenhum tiro de canhão. Condenado à prisão perpétua, o soldado, no julgamento, apresentou ao Rei um pergaminho de defesa com 786 razões pelas quais não atirou. O Rei mandou lê-las, e ele começou: “número 1, faltou pólvora”. O mandatário já falou: “chega, não precisa das outras 785 razões, está absolvido”.

Vejam que interessante a aplicação desta estória no leilão de reserva de capacidade que está em consulta pública, no setor elétrico brasileiro.

O Ministério de Minas e Energia (MME), de forma correta, emitiu uma minuta de Portaria, onde deixa super claro que tal leilão é para prover o consumidor de confiabilidade, que, por ser um bem público, é responsabilidade do Governo.

E aí, agentes que têm outros tipos de atributos, mas não a confiabilidade, começam a recalcitrar tal tese e querem, porque querem, participar deste leilão de confiabilidade.

Dentre tais agentes, destacamos os sistemas de armazenamento, as baterias, que têm grande importância para outras segmentações setoriais, mas não para a confiabilidade elétrica e energética do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Senão, vejamos:

• Em termos de adequacidade, não é possível uma bateria atender a dois ou três chamadas do Operador Nacional do Sistema (ONS) no mesmo dia, ou por períodos prolongados. O que significa que ela não terá disponibilidade para atender ao requisito de potência durante as 24 horas do dia ao longo dos 7 dias da semana.

Faltou pólvora!

• Em termos de confiabilidade de tensão e frequência, não é possível auxiliar o sistema, se houver um curto-circuito indutor de instabilidade próximo à bateria, pois a sua proteção a retirará de operação. Inversores que ligam as baterias ao sistema só suportam de 20 a 40% de sobrecorrente.

Faltou pólvora(muita)!

• Em termos de estabilidade de tensão, mesmo com os mais modernos controladores, é bastante duvidoso se tais baterias/ controladores (GFM- Grid Forming Controllers) conseguiriam algum tipo de contribuição.

Estudos realizados pela ABRAGET (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas) mostram que, na perturbação ocorrida em 15/08/2023, se tivéssemos duas baterias de 140 MW cada, uma em Açu e outra em Fortaleza, ambas com o mais moderno controlador GFM, caríssimas, instabilidade ocorreria da mesma forma que ocorreu.

No entanto, com duas máquinas síncronas da usina de Fortaleza, cada uma com 120 MW, o sistema seria estável, sem problemas.

Faltou pólvora!

Então, vamos pensar direito antes de pleitear coisas sem cabimento:

O que diria o nosso competente TCU (Tribunal de Contas da União) se colocássemos equipamentos caríssimos em um leilão de confiabilidade, equipamentos não confiáveis?

Vamos com calma, tem espaço para todos na matriz energética, mas cada um com seus atributos.

Baterias são importantes? Claro que sim, podíamos enumerar aqui diversas aplicações para as mesmas no sistema elétrico, em seu estágio atual de preços e funções, mas para a confiabilidade, realmente faltou pólvora.

Como poderíamos incentivar o desenvolvimento destes sistemas de armazenamento, até que se atinjam preços menores, maiores participações de seus controladores, etc, em um futuro ainda relativamente maior? Aqui vão algumas sugestões que expressarão a verdade para o consumidor:

• Juntamente com a transmissão ou subtransmissão, para aliviar carregamentos;
• Juntamente com geração distribuída, microgrids, ou sistemas ilhados, onde a corrente de curto-circuito é menor;
• Utilização em leilão específico de “inovação tecnológica”, competindo, inclusive, com outros tipos de tecnologias de inovação

Só dessa forma poderíamos estabelecer uma matriz elétrica robusta, confiável e a custos adequados para o consumidor, pois verde nossa matriz elétrica já está.

O artigo foi originalmente publicado neste endereço: https://www.poder360.com.br/opiniao/as-786-razoes-de-confiabilidade-e-o-acerto-do-leilao-de-reserva/