Térmicas para expansão das renováveis

O presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho, foi um dos porta-vozes desta reportagem do Canal Energia sobre o futuro das termelétricas. A seguir, a íntegra:

Térmicas para expansão das renováveis

Segmento termoelétrico mostra seus trunfos e alternativas futuras em meio as discussões sobre descarbonização, transição energética e segurança do sistema elétrico no futuro

O ano era 2021. Com os lagos das hidrelétricas esvaziando em meio a pior crise hídrica dos últimos 100 anos, o sistema elétrico brasileiro precisou recorrer as termelétricas para evitar racionamento e garantir o suprimento de energia no país. Bastaram alguns despachos para acionar certas usinas que podem oferecer previsibilidade e segurança de abastecimento em qualquer momento do dia ou da noite, independente das condições climáticas.

A controlabilidade da rede se mostra como o principal trunfo para manutenção da fonte térmica na matriz, em níveis mínimos plausíveis e para ser usada em última instância na cadeia de operação do setor, quando não há chuva, vento ou sol, já que a maioria das usinas importa o Gás Natural Liquefeito (GNL) e possui uma geração considerada cara, como a UTE Wiliam Arjona, que possui um Custo Variável Único (CVU) de quase R$ 2.500/MWh. Há também os apelos ambientais, ainda que as emissões do setor elétrico representem 2% do total lançado à atmosfera no Brasil, segundo levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

A pergunta que fica é qual o futuro do parque termoelétrico no país das renováveis e nas discussões sobre descarbonização, transição energética, preço da operação. Ainda que o novo governo tenha assumido compromissos ligados a agenda verde, com a ideia de priorizar a fonte eólica e solar e até abrindo uma nova diretoria na Petrobras, o Ministério de Minas e Energia estuda uma medida provisória para subsidiar a construção de gasodutos visando ampliar a oferta de gás natural, que atualmente possui gargalos de infraestrutura e a promessa do pré-sal ainda distante.

Para o presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho, o ideal é ter uma matriz elétrica balanceada em que se minimize os gases de efeito estufa e se promova a segurança energética como um bem público, numa equação que resulte também no menor custo possível ao consumidor. Hoje as UTEs somam 22,4% e 41,2 GW no quadro do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) entre diferentes combustíveis, e a previsão é de que esse volume suba apenas 0,8% até 2027. Já no PDE 2032 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) são retirados 13 GW de UTEs com contratos em vencimento, e outros estudos apontam para retirada de 16,5 GW de usinas a óleo diesel.

Maior UTE do país, Porto do Sergipe I pode complementar variabilidade da energia eólica no Nordeste (Eneva)

“Tem espaço para todo mundo na matriz e o equívoco é essa febre da correria da transição energética, que é algo definido para até 2050. Hoje 85% no país é renovável, um panorama que muitos países da Europa pretendem chegar em 27 anos”, comenta, reforçando participação das UHEs como um privilégio, mas referindo que o Operador Nacional do Sistema Elétrico tem de lidar com um mar de incertezas quanto a vazões no período considerado seco e também pelo incremento da Geração Distribuída.

No Brasil quem determina as regras de confiabilidade, compostas pelos fatores de adequacidade (atender a demanda a cada instante), segurança (retorno de ocorrências) e resiliência (meios de recompor o sistema) é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que dita os chamados leilões de capacidade. No entanto, Xisto aponta que o órgão só definiu critérios para o primeiro item, faltando estabelecer as regras para a segurança e resiliência, como qual a inércia mínima do sistema e o controle exigido para frequência e tensão das máquinas, inclusão que será sugerida ao Ministério de Minas e Energia.

“Nossa visão é que devemos ter essas três condições a partir da geração térmica de transição, com uma combinação de nuclear e gás natural de uma forma muito mais adequada e econômica em matéria de segurança”, pontua, citando ainda complementações pela chamada reserva fria, que fica desligada do sistema e em situações extremas de resiliência pode entrar para atuar na rede, como no caso das térmicas a óleo diesel.

Outro ponto mencionado pelo presidente da Abraget é de que os serviços ancilares possuem uma remuneração completamente fora da realidade para as UTEs, de tão baixos, com os pagamentos regulados não dando sinais econômicos para investimento nos mesmos. O assunto está sendo retomado no MME e Aneel, com novas diretrizes e regulações estão previstas através de Consultas Públicas.

Alternativas

O consultor e sócio da MC&E Consultoria e Engenharia, José Marangon, destacou à Agência CanalEnergia que atualmente as UHEs estão sendo acionadas para prover esses serviços ao sistema em razão da intermitência das eólicas no Nordeste, que possuem um importante aumento previsto e que trará oscilações com o regime de ventos. Ele aponta a colocação da maior UTE do país, Porto do Sergipe I, justamente para fazer essa complementação, até porque as hídricas não possuem mais reservatório para uma resiliência sazonal.

“As térmicas podem atuar nas rampas de tomada e na retirada de carga das eólicas, o que pode ser preenchido no futuro com novas tecnologias como armazenamento, que poderá fazer frente a essas variabilidades e tornar a geração renovável despachável, além do advento do hidrogênio verde no futuro”, avalia, indicando existirem já sistemas de 500 MW a 1 GW em baterias para a transmissão.

Para ele, o Brasil está na contramão de certa forma do mundo ao apostar no gás natural e não em armazenamento depois de atrasos e políticas na própria Petrobras contra o insumo, ponderando que talvez o adiamento da regulamentação sobre as baterias e custos tributários na Aneel para 2024 é uma decisão para justificar o avanço do mercado de gás no país.

“A própria Petrobras dizia que para o gás competitivo precisa de suprimento e transporte e não temos infraestrutura de gasodutos e consumos constantes”, complementa, ressaltando que a tendência no longo prazo é abdicar do insumo gradativamente pois ele também emite CO2, além dos países buscarem a independência em relação a um insumo ligado a poucos produtores na cadeia global.

Segundo Marangon, o Brasil estava num processo de retirada das UTEs e o antigo governo não se mostrava muito favorável a entrada do gás natural, ainda que tenha dado o aval da lei da Eletrobras dos 8 GW. No entanto, ele vem enxergando de forma diferente o terceiro mandato do presidente Lula, com a criação de um grupo de trabalho no MME para o gás, além dos investimentos em um gasoduto vindo da Argentina e de exploração do Pré-Sal numa parceria da Petrobras com a Shell.

“No curso natural a ideia é que o Brasil venha a banir a maioria dessas usinas, que possuem diferenciações como a nuclear, que não pode ser abandonada, ou a biomassa do Sudeste, com potenciais importantes de um combustível renovável para aspectos das redes de distribuição e podendo ser associado a baterias”, acrescenta. Para ele, o suprimento futuro ainda é incerto para a indústria, agronegócio e mobilidade elétrica, sendo difícil não precisar de nenhuma UTE a gás a não ser que surja mais rapidamente o hidrogênio como armazenamento e as usinas híbridas e associadas.

Pelo lado do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a visão é positiva em relação ao fator termelétrico no futuro, já que o país não conta mais com potenciais hidrelétricos relevantes a serem explorados para dar complementariedade na expansão das outras renováveis. Restam os rios de planície localizados no Norte, mas para usinas a fio d’água, que não conseguem acumular o excedente hídrico e atuar como grandes baterias para o sistema. As UHEs poderiam aumentar suas potências, mas isso não atende ao crescimento do consumo que exige uma fonte de base.

“Conviver com uma matriz sem térmicas é algo muito difícil de se imaginar pela necessidade de segurança energética e balanceamento do sistema a todo momento. Precisamos de um reservatório equivalente ou uma térmica ou nuclear”, afirma o sócio-fundador e diretor da CBIE Advisory, Bruno Pascon, citando a eólica e solar com fatores de capacidade de até 40% e 30%, enquanto as UTEs vão de 75% a 92%. Assim seria preciso três vezes mais linhas de transmissão para atender a mesma demanda de energia, inflando custos a serem repassados ao consumidor.

Para a consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos para o setor de energia, ao aumentar a oferta de energia e confiabilidade elétrica o Brasil teria potencial de crescer a economia muito mais do que os 0,36% dos últimos 15 anos. Um dos motivos seria a falta de projetos estruturantes de fontes que conseguem atender a demanda 24 horas por dia para a indústria eletrointensiva, como siderúrgicas, vidro e cerâmica, além de papel e celulosa, que requerem insumos de base.

Renováveis intermitentes possuem baixos fatores de capacidade e exigem complementação como base para expansão

“Não é à toa que o gás foi escolhido como combustível da transição e ele continua crescendo em todos os planos de futuros da Agência Internacional de Energia até 2050”, comenta, chamando atenção para a desotimização da rede com a inserção maciça das fontes variáveis, como aconteceu em todos os países da Europa que expandiram suas matrizes nesse sentido e de forma muito acelerada, impactados ainda mais pela guerra na Ucrânia.

“Não ter térmicas aumenta muito a necessidade de investimentos em sistemas de transmissão e se for olhar a conta de luz do brasileiro as duas rubricas que mais subiram nos últimos 13 anos foram as de transmissão e encargos setoriais”, complementa o especialista, citando a expansão a biogás e biomassas dedicadas como alternativas mais interessantes do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, ao contrário do carvão e óleo diesel que vem reduzindo suas participações num movimento mundial corroborado pela busca do NetZero até 2050.

Pascon entende que a participação do gás natural será uma prioridade do novo governo, pois além da transição energética, o discurso e ações parecem focar muito em segurança energética elementar e crescimento econômico. Assim como o Brasil dispõe de moléculas do insumo e do chamado biogás caipira, poderia ser exportador líquido das commodities depois de resolver os gargalos de infraestrutura com investimentos.

“Poderíamos eliminar a importação com impactos positivos ao consumidor final, com os preços ficando em US$ 8 a US$ 9 MBTU, contra US$ 25 na Europa devido aos impactos da guerra e que deve continuar pelo menos até 2026”, calcula Bruno Pascon, da CBIE Advisory, tomando como US$ 15 o preço médio atual do gás no Brasil.

Questionado pela reportagem sobre a lei da Eletrobras, o diretor da CBIE Advisory referiu que os 8 GW foram impostos não para endereçar questões ao setor elétrico mas sim ao energético, que no plano decenal da EPE responde por 84% dos esforços para o planejamento. “Interiorizar o gás é importante no Centro-Oeste e parte do país para poupar os reservatórios para irrigação do agronegócio, um dos carros chefes da economia e que responde por 69% do uso hídrico no Brasil, além de depender da mecanização via uso de máquinas elétricas”, explica.

Segundo ele, cidades ligadas ao agronegócio em Goiás, Brasília e Mato Grosso do Sul não possuem recursos hídricos ou energia sobrando para produção agrícola, que responde por 28% do PIB brasileiro e 58% da receita de exportação. Assim a política ligada a privatização da estatal serviria para atender a revitalização de bacias hidrográficas, desenvolver o saneamento básico no país e expandir a fronteira agrícola, assim como usos turísticos dos lagos e desenvolver indústrias de base como a de fertilizantes próximos a lavoura, que não possuem hoje acesso a infraestrutura e gás natural.

Na avaliação do Coordenador da área de Geração e Mercados do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, Roberto Brandão, a polêmica em torno dos jabutis da Eletrobras foi a inexistência de uma discussão do Congresso Nacional com as entidades e agentes do setor, o que para ele vai encarecer e jogar a conta para o consumidor. “Nunca vi nenhum estudo de planejamento que justifique essa lei. Usar o gás reinjetado e expandir a malha de gasodutos são objetivos razoáveis, mas não teve um planejamento debatido com o setor”, salienta.

Brandão também lembrou do leilão emergencial realizado no ano passado e que não contratou integralmente, com pouca viabilidade e com a incerteza se irá vingar, o que pode também levar a um excesso de capacidade que não irá ao mercado livre, que compra da eólica e solar pela metade do preço. Ele crê em um futuro com termelétricas, mas que não se sabe exatamente quais, com o caminho no momento sendo manter os ativos que existem e substituir aqueles mais caros e sujos, prevendo ainda uma inserção de mais UTEs no sistema, talvez por biomassa.

“O que está sendo delineado para o futuro são as usinas com captura de carbono, movidas por hidrogênio e reforçadas por armazenamento”, aponta o especialista, citando uso de baterias no SIN e nas redes de distribuição, além das hidrelétricas reversíveis.

Agora resta como opção as térmicas flexíveis a gás, que não é barato, mas que com as usinas paradas e acionadas apenas para dar segurança ao sistema podem se justificar economicamente. Vale lembrar que o preço do insumo atingiu recordes históricos desde o segundo semestre de 2022 devido à guerra e aos níveis de estocagem subterrânea abaixo da média nos Estados Unidos. Por enquanto os efeitos não foram tão sentidos no Brasil, já que a hidrologia recuperou seus níveis e a geração térmica diminuiu consideravelmente. Na análise da EPE, o GNL poderá continuar com valores competitivos no mercado global no médio prazo, porém deve incluir custos de frete e regaseificação para que entre no mercado nacional.

Já quanto as centrais nucleares, Brandão lembra que Angra 3 deve ser concluída até 2028 e o planejamento conta também com previsão de entrada de pelo menos mais uma usina. No entanto, o problema desse tipo de geração acaba sendo parecido com o gás. “É uma energia muito cara e só se justifica caso haja algum ganho extra na cadeia de suprimentos ou na indústria nuclear que justifique”, pondera, acrescentando os pequenos reatores nucleares e a possibilidade da produção em série como uma tendência para a próxima década, com ganhos possíveis na redução de custos e nos processos de licenciamento.

Sobre o assunto, o presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan, Celso Cunha, lembra que atualmente existem 107 projetos de Small Reactors pelo mundo, 87 entrando em fase de licenciamento em seus países de origem, com previsão do primeiro começar a funcionar em 2028 nos Estados Unidos, numa corrida entre a General Eletric, Hitachi e NuScale.

“São pequenos reatores flutuantes que servem também para compensações de energia quando a produção eólica ou solar cair e que podem ficar uma década sem abastecimento de combustível, capazes de serem construídos em série como se fossem geladeiras”, compara.

A tecnologia vem tomando corpo nos esforços da Associação, que contratou a UFRJ para um novo estudo visando provocar o mercado e a EPE, que vem também analisando o tema para introduzir as variáveis dentro do planejamento. Para Cunha, o modelo deve levar em consideração as transversalidades das fontes, e mudar a ideia de que eólica e solar são muito baratas, o que se mostra incongruente quando se avaliam os subsídios e uma série de questões, além de não serem fontes de base.

“Se o governo der uma sinalização, o primeiro SMR pode sair do papel em dez anos e depois abaixar esse interim para seis anos ao ser retificado em fábricas”, crava o presidente da Abdan. A Nuclep poderia ser adaptada para a atividade, assim como os combustíveis vindos da INB, e uma nova mina em vias de ser licenciada e que daria maior capacidade para extração de urânio visando abastecer o mercado.

Pequenos reatores modulares poderão ser fabricados em série como geladeiras ou carros e estão na pauta da EPE (Abdan)

Na visão de Cunha, já que essa é a única fonte térmica capaz de fazer base para o sistema e acompanhar as curvas de carga, o que é corroborado pelas discussões na COP 26, COP 27, com discurso da própria Marina Silva e da ONU dizendo que sem nuclear não haverá descarbonização, é preciso uma definição do governo quanto ao programa apresentado pela entidade e que é capaz de gerar US$ 70 bilhões até 2050, com 8 GW a 10 GW em novas usinas nucleares.

“Quando se faz a conta dessas usinas no PNE 2050 e a questão da mineração de urânio, mais do que exportar urânio poderemos exportar o combustível das usinas, com um valor agregado imenso maior do que o minério”, ressalta. Ele lembra ainda que o Brasil pode ter a segunda reserva em urânio no mundo com novas descobertas em breve e que os reatores e as centrais de Angra 1 e 2 também podem produzir hidrogênio, calor para indústria, dessalinização da água, entre outros multiusos.

“Das térmicas a única que é limpa é a nuclear, sendo a fonte real da transição energética mas que não será a definitiva, pois o mundo achará outra”, complementa o executivo, referindo ser preciso olhar as fontes com seus usos múltiplos e aplicações, com a própria GD mostrando isso através da indústria desenvolvendo a modalidade. Vale mencionar que nessa semana foi criada a frente parlamentar da tecnologia nuclear no Congresso, após 217 votos num arcabouço envolvendo geração de energia e as áreas de medicina nuclear e irradiação de alimentos.

Quanto ao armazenamento de potência em larga escala, a opinião do presidente da Abdan é de que a tecnologia precisa avançar muito, sendo para ele uma “grande ilusão” na medida em que as baterias implicam em resíduos após seu uso, com vida útil questionável perante o empreendimento. Uma alternativa seriam as eólicas e solares fazendo reversão com as UHEs. “De madrugada tem vento, pouco consumo, pode bombear a água de volta para a hidrelétrica, num ótimo casamento que precisa avançar no Brasil”, indica.

Fator transmissão

Pensando na expansão da matriz elétrica, um dos pontos que vem à tona são os custos para escoamento das renováveis complementares, sobretudo do montante gerado pelo Nordeste. De acordo com Xisto Vieira, da Abraget, esse valor pode atingir entre R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões com linhas de 500 kV e troncos de corrente contínua de dimensões continentais, fora os compensadores síncronos e reatores que não foram incluídos na última análise decenal da EPE.

“Essa solução apontada não cobre todos os eventos com segurança e se tiver uma nova expansão das renováveis terá que ser triplicada a transmissão? É muito mais prudente ir numa velocidade menor e conseguir uma solução adequada”, pontua o dirigente, afirmando que se atualmente as UTEs fossem movidas a H2 ao invés de gás elas seriam verdes e proveriam todos os serviços ao sistema, numa solução mais barata do que encher o sistema com linhas de transmissão, que pode também levar a um problema de estabilidade até de controladores.

“Temos um grupo entre a entidade, a Abeeólica e Associação Brasileira de Hidrogênio Verde e Amônia para mostrar que a introdução do H2 verde em térmicas é uma solução perfeita e vai atingir custos competitivos em dez anos”, aponta o presidente da Abraget. Ele lembra que já existem usinas desse tipo em operação nos EUA, 468 MW, Suécia 258 MW e Holanda, todas movidas por um blend entre gás e H2, com o plano de aumentar o H2 na mistura até 100% em menos de dez anos.

Ao justificar os custos menores dos projetos térmicos com a transmissão, Vieira ressalta que as usinas ficam localizadas próximas aos centros de carga, não exigindo investimentos em compensadores síncronos especiais, já que as máquinas síncronas das UTE’s realizam todas as suas funções do controle.

Ainda assim, mesmo com todos os aportes preconizados para transmissão não seriam resolvidas todas as situações de segurança elétrica e energética, uma vez que um período hidrológico crítico como o de 2021 junto com a saída de 10 GW de térmicas em fim de contrato deixaria o sistema em condições críticas sem um parque termoelétrico considerável.

“Falamos em R$ 60 bilhões para essa expansão prevista mas com uma ampliação mista, a partir de renováveis e poucas térmicas novas, poderíamos chegar à metade desses custos, dependendo de estudos mais apurados para a localização ótima das usinas”, conclui Xisto Vieira Filho, da Abraget.

A questão na visão da Abraget seria de não aumentar necessariamente o montante de geração térmica mas repor as usinas com contratos vencidos, talvez até por elas mesmo, já que algumas possuem custos já amortizados, além da realização de um leilão para absorver esses empreendimentos. “Estamos com muita esperança de que o MME entenda que o leilão de capacidade não tenha neutralidade tecnológica, e isso com discussões técnicas”, acrescenta.

Construído em 1960, complexo Jorge Lacerda em Santa Catarina ganhará unidade a gás de 440 MW (Diamante)

José Marangon, da consultoria MC&E, se mostra contrário a uma expansão da geração que não tenha respaldo na demanda, afirmando que a estratégia tem que ser conjunta desde a produção até o consumo para que não se tenha um cenário de ociosidade em cada segmento da cadeia de produção. A ideia seria o hidrogênio verde como demanda para justificar toda esta expansão. “Mesmo assim não justificaria elos de CC do NE para SE. A solar se colocaria em qualquer lugar do país e a eólica do Nordeste poderia ser usada para a produção de H2V ou industrializar a região”, opina.

Ademais ele cita que além do custo de transmissão previsto pela EPE, o portfólio de geração com a componente termelétrica tende a trazer valores adicionais como os R$ 39 bilhões para um contrato de menos de cinco anos das térmicas do leilão emergencial realizado no ano passado, o PCS, que contratou um volume insignificante de energia, além de R$ 52 bilhões considerando apenas o valor para acionar e operar as usinas da lei da Eletrobras até 2036, e o empréstimo de R$ 5,6 bilhões feito para cobrir o rombo que as distribuidoras tiveram para pagar o funcionamento das térmicas durante a crise hídrica.

“A própria ida para as renováveis traz consigo a necessidade de complementação para regulação de frequência, capacidade de recuperação do sistema e rampa através de baterias, hidrogênio, reversíveis, o que custará muito dinheiro”, complementa José Marangon, da MC&E.

Já pensando na descarbonização, Marangon lembra que nossa matriz já é majoritariamente renovável e os produtos intensivos em energia tem uma característica verde considerável, com esse processo precisando avançar mais em pontos cruciais na mobilidade urbana e indústria, com o governo, MME e a economia vivendo um momento de decisões estratégicas.

“Quem sabe dar uma olhada no programa do álcool para questão do transporte com uma cadeia de produção sustentável, e dentro da estratégia da desverticalização olhar as características de um país tropical e não importar tudo que acontece no hemisfério Norte. Qualquer formulador de política pública deve pensar nisso”, finaliza o consultor.

O que diz o mercado

Na visão do Project Sales Director da Wärtsilä, Gabriel Cavados, o boom das renováveis pela descarbonização e níveis de preços competitivos fez outras fontes como a térmica serem deslocadas da base do sistema para ponta, com a solar devendo ser o grande driver de expansão nos próximos anos e o papel das UTEs no Brasil mais destinado a prover ao sistema a dinâmica de balanceamento em questão de minutos, agindo como um seguro para cada sistema elétrico.

“Acredito que seja isso que o governo queira com a contratação das UTEs nos leilões de capacidade, antevendo que o sistema em 2030 precisa de uma capacidade rápida e dinâmica”, assente Gabriel Cavados, da Wärtsilä.

Com 3 GW de máquinas instaladas no Brasil, o core bussiness da companhia finlandesa de 190 anos são os motores de combustão interna, dividido atualmente entre a propulsão marítima de navios e praticamente o mesmo utilizado para as termelétricas. A multinacional conta com um software que faz otimização de sistemas, não só o brasileiro, mas até para entender como a tecnologia se encaixa em determinados nichos de mercado e assim empreender de forma mais assertiva os futuros investimentos.

“Temos expectativas para os leilões e vemos que nossa tecnologia consegue prever o menor custo-benefício para esse tipo de usina de capacidade”, afirma o executivo, apontando que nas contas da empresa o Brasil vai precisar de 15 GW de térmicas flexíveis pelos próximos dez anos para prover a sazonalidade e intermitência elétrica, parecido com o número da EPE, de 13 GW.

Geração térmica com mistura gradativa de hidrogênio é tendência para os próximos anos no setor (Wärtsilä)

Entre os segmentos está o fornecimento turn key para UTEs que podem queimar praticamente qualquer tipo de combustível, a não ser etanol, que já consta nos planos futuros da corporação. Outra opção que vem sendo testada no laboratório finlandês é uma mistura do gás com 25% de hidrogênio, assim como amônia e qualquer combustível verde sintético. Também possui a área de armazenamento, tendo comprado uma startup californiana Greensmith, com foco nos EUA, Ásia e Chile, além da recente manutenção de gearbox de aerogeradores, numa parceria com a Flanders.

Para Cavados, o armazenamento no futuro eventualmente irá servir ao sistema elétrico, mas ele acredita que as baterias possam ter maior aplicabilidade para GD em shoppings centers e hospitais, sistemas isolados como nas usinas do Caribe, ou nas malhas de transmissão para evitar congestionamentos na rede. Tudo a depender da viabilidade econômica de um mercado promissor.

Sobre o gás o executivo lembra ser o combustível mais barato entre as fontes fósseis e que o mercado brasileiro ainda está em maturação e evoluindo exponencialmente nos últimos anos. E que se tratando dos leilões de capacidade será preciso produtos flexíveis, moléculas flexíveis, capacidade de transporte, o que torna o insumo mais caro do que poderia ser pela falta de infraestrutura.

“Ainda que não sejam as melhores opções econômicas, as térmicas da Eletrobras irão levar gás natural em regiões onde não tem o insumo, o que abre mais o mercado e pode desenvolver outras localidades, num valor não tão fácil de ser mensurado ainda” pontua, lembrando que o setor também irá precisar de mais 8 GW de UTEs flexíveis sem contar as da lei.

Para a Eneva, um dos maiores players da fonte no país e que tem a produção própria de gás, além de reservas, a adição de térmicas a gás natural na matriz elétrica é um movimento complementar à descarbonização, com espaço ainda para substituir ou converter térmicas a óleo. No contexto dos leilões, a empresa tem empreendido com competitividade o modelo R2W (Reservoir to Wire), em que as UTEs são construídas próximas dos poços produtores em campos e concessões próprias, uma produção onshore que implica num custo menor de extração e transporte do que o gás produzido no mar a longas distâncias e profundidades.

Um exemplo disso é o projeto Azulão, com 950 MW, que nasceu das combinação dos certames de Reserva de Capacidade de 2021 e Leilão de Reserva de Energia de 2022. O projeto representa um marco para a companhia, visto replicar o modelo de R2W, desenvolvido no Maranhão, no Amazonas com R$ 5,8 bilhões em investimentos para viabilizar 950 MW e aumento da produção de gás no estado. No país a geradora ampliou suas reservas de gás para 47,528 bilhões de m³.

A empresa também afirmou à Agência CanalEnergia ter assumido o compromisso de investir R$ 500 milhões até 2030 em tecnologias de baixo carbono para reduzir as emissões do seu parque termelétrico atual por meio de novas tecnologias, construindo novos ativos integrando inovação tecnológica para limitar emissões e capturar oportunidades de negócios emergentes da transição energética.

Azulão II e IV devem ter turbinas em ciclos simples e combinados para alto índice de inflexibilidade (Eneva)

Outro player que tem investido nessas frentes é a Diamante Energia, que recentemente formou uma Joint Venture com a Nebras Power, com o objetivo de olhar primordialmente projetos a gás natural, sendo esse o primeiro investimento em usinas desse tipo da Nebras no Brasil. A JV nasce com projetos na carteira: duas UTEs com capacidades de 600 MW e 440 MW em Santa Catarina, além do desenvolvimento de mais 9 GW em termelétricas em outros estados.

A parceria também deve olhar para outras tecnologias como o biogás e o hidrogênio pelos próximos 20 anos, com os desafios recaindo na logística e armazenamento para uso quando o sistema necessitar. “Quanto mais geração variável, mais vamos precisar de um componente térmico para compensar a intermitência. Eu vejo mesmo o risco de termos excesso de geração em determinadas horas do dia, obrigando o desligamento de algumas renováveis, o que já se viu em outros países e que o Brasil deve experimentar”, comenta o CEO da Diamante, Pedro Litsek.

Outro combustível que não pode ser descartado na avaliação do executivo é o carvão mineral com tecnologia de captura de carbono. Ele classifica como um energético nacional, com preço nacional e reajuste que acompanha a inflação, além de existirem cidades que dependem da atividade, como no caso de Criciúma (SC) e outras no Sul do país, requerendo um reposicionamento e transição social.

“A pandemia também nos ensinou que a dependência excessiva do mercado global é arriscada, importando termos uma matriz energética diversificada, incluindo o carvão com tecnologias de captura de carbono”, acrescenta.

Segundo ele, a EPE está iniciando estudos para identificação de futuros poços para o armazenamento de carbono, o que exige estruturas geológicas adequadas e regulação específica. Esta seria uma das grandes ferramentas para capturar o CO2 emitido por térmicas, permitindo ao sistema manter máquinas síncronas conectadas, tão importantes para a segurança do sistema.

“A questão de captura e armazenamento de carbono ainda depende de mais desenvolvimento, para reduzir custo. Em geral é feita em algum reservatório deplecionado, o que no Brasil ainda está em fase de pesquisa”, explica, citando a existência de um projeto da empresa a nível de P&D.

Outro ponto apontado por Litsek como uma preocupação futura é o uso de água doce em torres de resfriamento das usinas, um recurso de certa forma escasso para o futuro e que consome uma quantidade razoável, de maneira que seu uso deve ser avaliado. Uma opção seria usar água do mar nas torres, além de tecnologias de baixo consumo de água, como as de condensador a ar. “É uma questão de avaliar caso a caso. Uma coisa é usar água doce do rio Amazonas, outra é usar água doce no sertão”, conclui.

Esse texto foi originalmente publicado pela Agência Canal Energia, disponível neste link: https://www.canalenergia.com.br/especiais/53243897/termicas-para-expansao-das-renovaveis



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