A sustentável relevância das térmicas

Confira a íntegra de artigo assinado por Xisto Vieira, presidente da Abraget, publicado em O Globo, em 01 de março de 2022.

A sustentável relevância das térmicas

A defesa epifânica do papel das fontes renováveis na matriz elétrica nacional em geral vem acompanhada de ataques às fontes termelétricas. É o que se vê em recente artigo publicado no GLOBO (“Energia suja e atrasada”), em 24 de fevereiro, que entrega logo no título o mais profundo desconhecimento sobre a realidade das operações térmicas e o seu papel na organização do setor elétrico.

Mais importante do que rebater ponto a ponto os itens equivocados no referido artigo, cumpre-se trazer as informações que demonstrem à sociedade a relevância das térmicas para o sistema elétrico e os atributos dessas fontes para garantir o essencial: a segurança do abastecimento de energia nas casas dos brasileiros. Por décadas, a energia termelétrica vem sendo a base de segurança do sistema elétrico no mundo, a ponto de ser elemento crucial no debate geopolítico com a atual ofensiva da Rússia na Ucrânia.

E há uma razão: elas garantem a sustentação da estabilidade do fornecimento da energia injetada nos sistemas que abastecem os consumidores. Isso significa que nenhum sistema elétrico no mundo, atualmente, pode renunciar ao funcionamento de fontes firmes como as térmicas para evitar interrupções no abastecimento. No Brasil, um país gigante e, portanto, com amplo potencial para exploração das fontes renováveis, esse atributo tem um peso ainda mais relevante.

As térmicas funcionam como backup à intermitência das fontes eólica e fotovoltaica quando não venta e nem faz sol. E, pelo mesmo princípio, também são capazes de proteger os reservatórios de água das hidrelétricas nos períodos úmidos — que anualmente se encerram com as “águas de março fechando o verão” — e, principalmente, nos períodos secos, de abril a outubro, quando o preço do combustível chega a ser mais barato que o da própria água, em razão da sua escassez.

O que pouca gente sabe é que, assim como toda a sociedade tem sua agenda de transição rumo à geração de baixo carbono, as térmicas também seguem na mesma direção, evoluindo ano após ano na consolidação de operações eficientes e sustentáveis. Isso porque tais operações nunca participaram do “Fla-Flu” que alguns criaram e permanecem alimentando, como se existisse um jogo das renováveis versus as termelétricas. Essa guerra não existe, pois a matriz do futuro será a composição harmônica das renováveis com as termelétricas em prol da confiabilidade do sistema elétrico.

Os milhares de engenheiros e trabalhadores do parque termelétrico brasileiro não se veem como opositores da sustentabilidade. Muito pelo contrário, trabalham dia após dia para oferecer uma fonte de energia firme e sem interrupções, seja para proteger a geração renovável ou para suportá-la quando ela se torna escassa. Nessa perspectiva, boa parte das térmicas em operação no país já passa por processos de modernização, visando a reduzir o consumo de insumos fósseis e aumentando a produtividade de geração de energia — o que se traduz, na prática, em menores níveis de emissões de CO2 e, adivinhem, menores custos variáveis.

Nos últimos cinco anos, a renovação do parque térmico brasileiro já evoluiu, em média, cinco pontos percentuais nas escalas de eficiência operacional. Além disso, adotou padrões de tratamento e reaproveitamento de água usada nas operações e que serve como forma de abastecimento de comunidades que sofrem com escassez hídrica.

O Brasil já possui também planta piloto para teste de captura de CO2 em fase de estudos, pensando num horizonte em que será possível a operação segura e firme de energia, sem impactos de emissões de gás carbônico. É uma tecnologia que já vem sendo adotada em países que tiveram sua indústria de base construída a partir das fontes térmicas, como os Estados Unidos e a China.

O que falta a alguns defensores de uma ou duas fontes de energia é a compreensão sistêmica da matriz elétrica brasileira, e que, nesse emaranhado de questões da mais alta complexidade, não há espaço para posições maniqueístas — do bem e do mal — que repetem a mesma política do “cancelamento”, engrossando um coro condenatório que pode nos levar à escuridão.

*Xisto Vieira é Presidente da Associação Brasileira das Geradoras Termelétricas

Em O Globo, o artigo está disponível neste link



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